Fonte: Omelete.com.br e wikipedia
Impressionante ao assistir este filme a percepção de que somos mantidos por versões de fatos ocorridos. Nunca entendemos os problemas a fundo, tomamos pequenas doses de verdades, quase sempre inseridas em outro contexto e nos julgamos grandes sabedores desse ou daquele assunto. Fazendo uma conexão com o Brasil, vejo a discussão do salário mínimo, onde um parlamentar disse que o valor pedido de R$ 560,00 em relação ao aprovado de R$ 545,00 representava no bolso de cada brasileiro uma moeda de R$ 0,50 ao dia, mas será que ele não se atentou para o fato de que muitas prefeituras teriam problemas de caixa significativo, podendo chegar a inoperância do serviço público caso esses R$ 15,00 por pessoa nas contas chegassem a milhões de reais. Voltando ao filme, em 19 de maio de 1977, quase três anos depois de renunciar à presidência dos Estados Unidos, Richard Nixon (1913-1994) concedeu uma rara entrevista ao britânico David Frost. A conversa, dividida em quatro partes se tornaria a entrevista mais vista da história da televisão mundial. Depois de virar peça chegou ao cinema, avalizada por cinco indicações ao Oscar, incluindo melhor filme.
História e Fantasia
Muitos historiadores apontaram imprecisões nos fatos narrados no filme, incluindo os biógrafos de Nixon Jonathan Aitken e Elizabeth Drew. Aitken diz que o telefonema de um Nixon bêbado tarde da noite nunca aconteceu e que seria uma invenção do roteirista Peter Morgan.". Aitken lembra que "Frost não acuou Nixon durante a parte final da entrevista que teria causado uma danosa admissão de culpa. O que o presidente "confessou" sobre Watergate foi cuidadosamente preparado antes. E foi apenas com uma considerável ajuda e conselhos de sua equipe de adversários do ex-presidente que Frost conseguiu mais coisas de Nixon, na sequência de close ups, refreando a atitude feroz e adotando uma abordagem cavalheiresca." David Edelstein do New York Magazine escreveu que o filme exagera na importância da entrevista de Frost. Edelstein notou uma "edição seletiva, com o roteirista Morgan intencionando mostrar que Frost levou Nixon a admitir mais do que queria." Elizabeth Drew do Huffington Post e autora de Richard M. Nixon notou a omissão de que Nixon recebeu 20% dos lucros com o programa de Frost. Drew disse que uma fala crítica do filme, quando Nixon admite "...o envolvimento em um "acobertamento"", foi modificada pois na verdade o ex-presidente teria dito 'You're wanting to me to say that I participated in an illegal cover-up. No!'" ("Você espera que eu diga que participei de um acobertamento ilegal. Não!")
Fred Schwarz, escreveu no National Review online: "Frost/Nixon é uma tentativa de usar a história, transformar em retrospectiva uma derrota em vitória. Mas acrescenta: Frost/Nixon é um bom trabalho de dramatização sobre as negociações e preparativos para a entrevista. Mas que a imagem de Frank Langella, como um Nixon com traços de Brezhnev, não levou a uma boa performance. E que a premissa fundamental do filme está errada.
Caroline Cushing Graham, em uma entrevista de dezembro de 2008, afirmou que a primeira viagem dela com Frost foi para assistir a luta de Muhammad Ali no Zaire, e que se conheciam cinco anos antes do que o mostrado no filme. E que, ao contrário do exibido, Frost usava um motorista para dirigir, pois estava sempre fazendo anotações para o programa.
Diane Sawyer disse em dezembro de 2008 que "Jack Brennan é interpretado como sendo um cara militarizado", tanto na peça como no filme, mas que na verdade ele era muito engraçado, irreverente e maravilhoso.
O Filme
Não é um assunto fácil, e o diretor Ron Howard (O Código Da Vinci) o organiza na tela na forma de um semidocumentário: os assessores de Frost e de Nixon - vividos pelos bons coadjuvantes Oliver Platt, Kevin Bacon, Matthew Macfadyen e Sam Rockwell - surgem então em cena, falando diretamente para a câmera, como que relembrando o passado, os dias de tensa gravação, para ajudar o espectador a acompanhar a lavagem de roupa suja do Watergate e da Guerra do Vietnã, as pautas centrais da entrevista.
Colocar os coadjuvantes para comentar a ação dos protagonistas - Frank Langella como Nixon e Michael Sheen como Frost, ambos reprisando seus papéis na peça do dramaturgo Peter Morgan - didatiza demais alguns momentos que deveriam ser de introspecção. No geral, porém, isso não prejudica o filme. Howard tem o bom senso de deixar Frank Langella trabalhar. O ator, indicado ao Oscar, faz metade do trabalho, e a trilha sonora de Hans Zimmer faz o resto.
O suspense da música de Zimmer e a direção inesperadamente firme de Howard ( que entende de cinema como Frost entende de televisão, domina bem os momentos que pedem um close-up, os momentos que pedem um enquadramento simultâneo dos dois atores, etc.) transformam esse tema aparentemente sonolento em um duelo quase existencial. Quando não está narrando os momentos de gravação da entrevista, o texto de Frost/Nixon constrói bastidores de forma sintética, mas não reducionista (?), duas personalidades complexas, a do jornalista e a do presidente. O filme sobre a entrevista acaba sendo um filme sobre um combate de arena entre dois homens.
Nixon também, com seus problemas de suor, é um corpo estranho diante das câmeras. Em instante-chave, bêbado, o ex-presidente telefone no meio da madrugada para o inglês e desabafa: ambos, na visão de Nixon, são aqueles marginalizados que lutaram a vida inteira para serem aceitos pelo sistema, mas jamais terão seu esforço plenamente reconhecido. São dois arquétipos gêmeos, afinal, e a entrevista é menos um julgamento público do ex-presidente do que uma briga para ver qual dos dois será abraçado pelo sistema, ainda que momentaneamente, como vencedor. Só o mais forte sobrevive, enfim, pra usar uma expressão fácil.
Nesse sentido, Frost/Nixon é um filme bastante lúcido sobre a comunicação de massa, digno das maiores obras-primas que Hollywood já legou sobre o assunto, como A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Rede de Intrigas (1976). Tanto David Frost quando Richard Nixon estão, cada um em sua poltrona, de frente às câmeras, tentando derrotar a imagem de si que o outro constrói. O uso equilibrado do close-up por Ron Howard, aliás, é consciente desse poder da imagem - o diretor sabe, assim como os assessores de Frost repetem no filme, que um semblante imortalizado na tela num momento de derrota pode ser mais eloquente do que uma declaração de culpa. Para usar outro chavão, é aquela coisa da imagem que vale mais do que mil palavras.
Afinal, Nixon, forçado a renunciar por conta do escândalo do grampo na sede do partido democrata, luta por sua sobrevivência política e Frost, estrangeiro visto nos EUA como um bon vivant que só sabe fazer shows de variedade, luta por sua dignidade (sem contar as dívidas, a carreira...). A princípio, manter em cena a namorada de Frost pode parecer um recurso falho (como se o amor estivesse em jogo ou algo assim), mas no fundo serve para nos manter informados o tempo inteiro de que o entrevistador é um estranho que não domina totalmente a importância daquele evento, o que só enriquece o arco do seu personagem. O filme sobressai, como relato de uma época de versões ( que acontecem até hoje) e valores éticos e morais tomam o poder de comunicação de pessoas, cada um em sua área, a seu favor. Citando Zizek, talvez não adiante questionar se a resposta é a certa se o problema não foi devidamente formulado. Aqui a resposta é clara (se a pergunta foi correta). A verdade defendida e os interesses interiores usaram a televisão como ferramenta para um julgamento que existiu diante de toda a população americana nos horários nobres de diversos canais. O juiz: David Frost.
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