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Laerte: Do Traço à Saia

Cartunista Laerte posa vestido de mulher e diz que está "se montando"
Desde a edição da Bravo de setembro último venho ensaiando escrever algo sobre um mito que sempre me motivou. Laerte Coutinho, meu querido Laerte, onde ele assumia ser adepto do Crossdressing. Valeu a pena comprar a revista e ler, mas tenho de ser sincero que não aceito muito bem meus ídolos mudarem seu comportamento. Mas desde semana passada quando comecei a me influenciar por Zizek (Slavoj Zizek, filósofo natural da Eslovenia,1949) tenho começado a revisar minha relação com minhas influência. O Laerte é um, é preciso coragem para tomar essa decisão.., que hoje vejo como libertadora.
Na entrevista só ao final o repórter ficou sabendo o motivo do Laerte se esclareceu sobre o visual peculiar: desde 2009, como resultado de uma profunda crise, mantém o hábito de se vestir de mulher, total ou parcialmente. A prática também pontua o livro Muchacha, que acabara de lançar. A coletânea reúne quadrinhos publicados no jornal Folha de S.Paulo e retrata os bastidores de uma série televisiva dos anos 50. Um dos personagens, o ator gay Djalma, protagoniza espetáculos musicais sob a pele de uma transexual cubana.
Travestido, Laerte diz que esse é o jeito como ele vem andando normalmente. O cartunista diz ainda que está "se montando" e que já frequentou um clube de crossdressers (pessoas que vestem roupa ou usam objetos associados ao sexo oposto). Há quase duas décadas Laerte Coutinho faz parte da rotina de milhares de brasileiros. Graças às suas tiras, publicadas diariamente em quatro jornais brasileiros - entre eles a Folha de S.Paulo -, e aos quadrinhos lançados em formato de livros, o cartunista é apontado por público e pela classe artística como um gênio do estilo - título que ele indubitavelmente refuta. "De início, meus filhos, minha namorada e meus amigos chiaram. Agora, se acostumaram", disse.
Laerte tem chamado mais a atenção da mídia nos últimos anos pelo abandono de seus personagens e pela prática do crossdressing, que em resumo consiste em vestir-se com roupas femininas. Reproduzo abaixo entrevista concedida ao Portal iG, onde o cartunista falou sobre a obrigatoriedade de produzir uma tira diária e a maneira como encara a alcunha de gênio, em meio a diversos questionamentos sobre a onda crossdresser, definido pelo próprio como uma “forma de contestar o parâmetro de gênero".

iG: Você não cansa de ter de explicar ou mesmo justificar o estilo crossdresser?
Laerte: Não. Se as pessoas estão perguntando é porque alguma preocupação existe e eu acho que é legítima, por isso não tenho problema em responder o que me perguntarem.
iG: Tenho a impressão de que o crossdressing é mais desafiador diante da sociedade do que um homossexual ou um travesti - me parece que as pessoas têm uma enorme dificuldade de entendê-lo.
Laerte: Eu tenho essa impressão também. Não tenho certeza absoluta, mas também tenho essa impressão. Os homossexuais também acham estranho que um travesti não seja necessariamente homossexual. O crossdressing é uma designação completamente social, uma convenção de um preconceito.
iG: Talvez porque a população já assimilou que um travesti é um homem homossexual, muitas vezes se prostituindo.
Laerte: O crossdresser é um travesti de classe média.
iG: Você acha que, por ser uma pessoa pública, outros crossdressers podem esperar um papel de porta-voz diante da mídia?
Laerte: Nunca me falaram, não. Ultimamente eu tenho visto, porque faço parte de um clube de crossdressers, o Brazilian Crossdressers Club (BCC) - em inglês mesmo, quanto eu entrei já era assim (risos) -, que tem aparecido bastante coisa na imprensa. Talvez seja o momento dessa preocupação. No meu caso apareceu a entrevista da revista "Bravo", depois algumas outras, mas esse fluxo de busca de informação sobre crossdresser e travesti não é só comigo não.
iG: Em suas últimas entrevistas, você comentou um certo desconforto em relação ao seu trabalho como cartunista. Em todos esses anos você já se sentiu prisioneiro das suas tiras ou da obrigatoriedade de manter uma produção diária?
Laerte: Sim, da obrigatoriedade e também de desenhar de um certo modo. Tanto é que o que eu tenho feito é em sentido de modificar o modo, já que a obrigatoriedade corresponde à minha necessidade de ganhar dinheiro. O problema é o modo de expressão e o que eu digo com o traço.
iG: Em recentes entrevistas, você disse que aos poucos abandonou seus personagens. A convivência com eles tornou-se desinteressante a ponto de não querer mais trabalhar com personagens fixos?
Laerte: A convivência, quer dizer, a coisa toda me pareceu um ciclo completado, e eu não sei, me cansa um pouco de ficar insistindo com algo que já deu o ciclo que tinha que dar.
iG: De todos eles o único que você manteve ativo foi o Hugo. Por quê?
Laerte: Tem a ver com a “travestividade”, uma coisa que estou vivenciando, e eu mantive meio na marra, eu forcei essa existência - de forma natural eu não faria isso. Forcei por ser uma forma de refletir, como para mim a atividade de me travestir é uma coisa nova e misteriosa, e também cheia de informação que não tenho (risos); eu uso o Hugo para fazer essa prospecção.
“Ser mulher é muito caro”
Laerte afirma que do momento que passou a se vestir de mulher, suas despesas aumentaram, agora incluem manicure, depilação, lingeries e sapato. Morador de uma ruazinha bucólica no bairro do Butantã, em São Paulo, o cartunista Laerte que nos recebe à porta em nada lembra o cartunista Laerte. Mais parece uma senhora do interior. Cabelos grisalhos com franja, pouco abaixo das orelhas, de onde pendem brincos de brilho discreto, camisa com estampa indiana, unhas vermelhas, nas mãos e nos pés, que calçam um par de Havaianas brancas, e com uma ousada minissaia jeans para seus 60 anos de idade, a imagem revela uma fase peculiar na vida do artista. Laerte é crossdresser, e vem, segundo afirma, explorando o guarda-roupa feminino como forma de expressão. Mais do que se travestir, Laerte diz que está interessado em romper as barreiras que limitam os gêneros. Em entrevista exclusiva ao iG Moda, o cartunista revela detalhes dessa sua incursão no armário das mulheres.
iG Moda: Como é a sua relação com a moda?
Laerte: Eu estou em uma fase de exploração. O primeiro quesito que tenho de considerar é grana. Antes eu não tinha a menor preocupação com roupa, não fazia nenhum tipo de avaliação, comprava uma calça nova a cada três anos, colocava uma camiseta e pronto. A roupa feminina abre as portas dessas possibilidades, desperta essa vontade de avaliar cor, estampa, tecido, perceber que nem tudo cai bem. É muito irresistível. O guarda-roupa masculino é restrito, bastam duas, três camisas e calças. O feminino tem vestidos, saias, blusas, acessórios, sandálias, botas. Como dona de um guarda-roupa feminino eu estou engatinhando.
iG Moda: Onde você compra suas roupas? Você experimenta, diz que as peças femininas são para você?
Laerte: Eu vou a lojas onde as roupas sejam mais baratas. É muito caro se vestir como mulher. Aqui no Rio Pequeno tem umas lojas boas. Na Teodoro (Sampaio, em Pinheiros) também acho muitas coisas. Brechó eu gosto, mas não tem provador, então complica. Já aconteceu de eu comprar em brechó, chegar em casa e a roupa não servir. Eu prefiro provar. Nunca tive um caso de nariz empinado, a recepção das vendedoras sempre foi muito boa, me tratam com muita gentileza. Acho que elas querem vender... então tanto faz. Elas perguntam: “é pra você mesmo?”. No começo eu ficava tímido, dizia que era para minha namorada. Quando me perguntavam ‘como ela é’, eu dizia ‘ela é mais ou menos do meu tamanho’... Outra forma de eu montar meu armário é ganhar coisas... essa blusa que estou ganhei da minha namorada.
iG Moda: Você já roubou alguma peça do guarda-roupa dela, da sua namorada?
Laerte: Não...só camiseta.
iG Moda: Qual item do vestuário feminino é o mais complicado de escolher?
Laerte: Vestido é o mais difícil. É uma peça inteiriça, e o homem tem duas medidas, uma de tronco, outra de quadril. É difícil achar um vestido que fique bem. Comprei um agora, que é evasé e caiu bem. Nem usei ainda. Eu sou uma senhora de certa idade, e tenho um padrão de discrição que se mantém, não sou outra pessoa. Eu não virei mulher. Essa vivência às vezes cria problemas de convívio. É como exercitar outra cidadania.
iG Moda: Você já enfrentou algum tipo de hostilidade?
Laerte: Não muito. Às vezes saio, e passam uns carros, os caras gritam ‘ê viadão’, ‘ô boneca’, e dá vontade dar meia volta e retornar. Mas nunca houve nada mais sério, só uns ‘fiu fius’...
iG Moda: O que você mais gosta de comprar?
Laerte: A roupa feminina é excitante. Eu gosto muito de comprar sapatos. Calço 39, então não tenho muita dificuldade de encontrar. No começo eu só saía de salto alto. Agora tenho umas sapatilhas, uma botinha, mas é mais caro.
iG Moda: Alguma peça masculina já foi eliminada do seu guarda-roupa?
Laerte: A minha gaveta de cuecas está cada vez mais reduzida... as lingeries tomaram conta. Gosto das de renda. Existem modelos de sutiã com bojo que servem para colocar a prótese, mas esse é um outro movimento. Calcinha com bunda... já tive, mas hoje não uso mais. Estou satisfeito com a minha! A gente vai se conhecendo. No começo faz umas besteiras...essa foi uma delas... Outra foi comprar um espartilho. Mandei fazer, foi caro, mas não ficou bom. Hoje tenho um que uso por cima da blusa, fica bacana, dá uma acinturada...
iG Moda: Estou vendo que você está de unha feita. Você vai à manicure ou ela vem até aqui?
Laerte: Não... eu vou. O salão é aqui do lado. A depilação também é pertinho. A gente vai conhecendo esses serviços no bairro. Quero arrumar uma costureira por aqui. Acho bom para reformar roupas, fazer outras, mas ainda não encontrei nenhuma boa.
iG Moda: Você se importa com o que está na moda ou segue seu gosto?
Laerte: Eu gosto de estampas, mas preciso comprar umas peças lisas para combinar. Vou meio no olho, mas no circuito crossdressing a gente se informa, troca dicas de bazares, de lojas, e há umas vendas especiais. Uma de ‘nós’ coleciona sapatos. Às vezes ela precisa de espaço no armário e de saldo bancário e vende uns pares. É uma maravilha! Mas ela calça 41... fica tudo grande. E essa coisa de colocar algodão na ponta é um horror. Vira uma tortura. A ponta do sapato foi cientificamente construída para abrigar os dedos do pé. Gosto muito de sandálias, que deixam o pé à mostra. Quando estou com a unha do pé pintada, prefiro usar sandálias.
iG Moda: Qual recurso do figurino feminino você ainda não usou?
Laerte: Peruca. Tenho tentado usar o meu cabelo, mas cabelo de homem vai ficando ralo... Acho que vou acabar tendo de usar. Frente-única também nunca usei... acho que precisaria de mais audácia.
iG Moda: No seu armário feminino, você tem uma roupa predileta?
Laerte: Um vestido preto do qual gosto muito, fica muito bem... Deve ter sido de outro homem! Eu comprei em um brechó.
iG Moda: Que peça de roupa é mais difícil de encontrar para um crossdresser?
Laerte: Acho que o setor de moda poderia olhar mais para esse mercado, deveria produzir para corpos especiais. Não estou falando só de crossdresser. Eu tenho várias amigas, que são grandes, e não encontram roupa. A gente precisa descobrir a melhor roupa, a que cai bem e não só as que estão dentro das ideias de moda. A moda não é uma ordem; é uma sugestão.
iG Moda: E maquiagem, você usa?
Laerte: Eu não fiz ainda depilação a laser na barba, então fica estranho. Por enquanto faço a barba bem rente, e coloco uma pintura de batom antes da base, que é para não ficar tão escuro. Uso um batom leve, pinto os olhos. A Duda Nandes, que é maquiadora, dá várias dicas pra gente. Foi lá que me montei pela primeira vez... Estou com 60 anos... gostaria de ter começado antes. Teria aproveitado mais. No começo era uma loucura, as bijuterias, a cinta-liga, tinha vontade de sair assim na rua, queria que todos vissem...
Grande e inspirador LAERTE

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