O WikiLeaks é um grupo fundado em 2007 por ativistas dispostos a denunciar injustiças. Em abril do ano passado, o trabalho ganhou notoriedade com a publicação de um vídeo em que soldados norte-americanos metralhavam civis no Iraque dando gargalhadas, como se jogassem videogame. As cenas, até então confidenciais, causaram horror.
O vazamento de dados secretos estava só começando. Em novembro, começaram a ser divulgados relatórios da diplomacia norte-americana, incluindo detalhes sobre mais mortes de civis em ataques. A iniciativa fez com que Julian Assange, fundador do grupo, passasse a ser perseguido. Ele foi acusado de crimes sexuais na Suécia e detido na Inglaterra.
De lá, respondeu a perguntas do público brasileiro, selecionadas pela repórter independente Natalia Viana, que faz reportagens para a página do WikiLeaks. Fiel à proposta da organização, a entrevista foi disponibilizada para vários veículos e segue resumida abaixo.
1 – O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia como os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Globo”, considerados por muitos como de direita. Não é contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação?
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.
2 – O que é mais perigoso para a democracia: manipulação de informações por governos ou pela mídia?
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público, mas a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo.
3 – Que mudança pode ocorrer devido ao WikiLeaks?
James Madison, que elaborou a Constituição norte-americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. As pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder ao negar informação. É esse vácuo que delineia quem são os mais poderosos. O livre fluxo de conhecimento é uma força equalizadora e democratizante.
4 – O Wikileaks ganhou muito poder e já influenciou a bolsa de valores e a política. Ao se tornar um poder, o grupo não deveria criar mecanismos de auto-vigilância?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem. Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para o acesso às informações.
5 – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
É melhor reformular a pergunta assim: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação?”. A resposta é clara: nem todo mundo. O médico deve ser responsável por manter a confidencialidade na maioria das circunstâncias – mas não em todas.
6 – Disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação. Se oferecessem asilo político, aceitaria?
Eu ficaria lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença. Infelizmente estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
7 – Você teme morrer? Caso venha a ser assassinado, o que acontecerá?
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos na nossa missão e não nos intimidamos. Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando fiquei na prisão por cerca de 10 dias, as publicações de documentos continuaram. Além disso, distribuímos cópias do material ainda não publicado. É impossível impedir futuras publicações atacando nosso pessoal.
8 – Na sua opinião, qual a principal revelação até agora?
Há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria ainda está por vir. Mas, se eu tiver que escolher uma só, entre as poucas que eu li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele telegrama que pede aos diplomatas norte-americanos para obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU. Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos Estados Unidos.
9 – Você se considera de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.
Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas. Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto.
Somos uma organização exclusivamente pela verdade e pela justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
10 – Hollywood divulgou que fará um filme. Que pensa disso?
Hollywood pode produzir muitos filmes, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhum, mas se vendermos direitos, exigirei que meu papel seja feito por Will Smith.
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